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27/8/2012

Brasil perde investimentos com insegurança jurídica

O trabalho de convencimento junto ao legislativo e Executivo empreendido pelo presidente do Conselho Consultivo da Interfarma, Jorge Raimundo, para desobstruir duas pautas que ameaçam a inovação na indústria brasileira de fármacos, tem sido incansável. Uma refere-se à alteração do artigo 229-C, da legislação de Propriedade Industrial, de 1996, que criou o instituto da Anuência Prévia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) na concessão de patentes farmacêuticas. A outra diz respeito ao projeto de lei que tramita no Congresso excluindo o Segundo Uso, previsto na legislação atual, para o registro de patentes. Moderador no Painel “Inovação Incremental e Anuência Prévia”, do XXXII Congresso da ABPI, o presidente da Interfarma nesta entrevista dá uma prévia do que será debatido no XXII Congresso.

Um dos temas do Congresso é a anuência prévia da ANVISA para patentes de medicamentos. O que se pode esperar desta discussão?

Jorge Raimundo: Vamos demonstrar que a Anuência Prévia, um instituto de 1999, é totalmente desnecessária. É bom lembrar que durante a fase de invenção de um medicamento, na hora em que se descobre a molécula, quando não há ainda efetivamente uma invenção, imediatamente pede-se a patente. E por que se faz isso nesta etapa? É para dar ao cientista a liberdade de ir aos congressos, aos foros acadêmicos e falar sobre a sua descoberta. Porque se ele falar sobre a sua descoberta sem ter pedido a patente ela cai no domínio público.

Ou seja, no momento em que é solicitada, a patente já está protegida?

JR: Já está protegida, mas não significa que exista um medicamento, um produto, apenas que foi dado o início do processo de patente. A inovação é um direito imaterial, ela ainda não existe. Depois que é desenvolvido o produto é testado em animais, em pessoas, isso leva vários anos até ser comercializado. No Brasil, quando se dá início ao processo a patente vai para a Anuência Prévia da ANVISA.

E o que faz a ANVISA?

JR: Ninguém sabe. Que tipo de análise pode ser feita se não se sabe nada do produto? Ora, quem tem a expertise de Propriedade Intelectual é o INPI. É uma discriminação contra o setor farmacêutico porquê eles não pedem isso para produtos veterinários, avião, para invenções da área de engenharia.

Em que circunstância foi introduzida a Anuência Prévia para produtos farmacêuticos?

JR: Ficamos 51 anos, de 1945 a 1996, sem Propriedade Intelectual para remédios. A Lei de Propriedade Industrial veio em 1996, e três anos depois, quando José Serra era ministro da Saúde, foi feita uma Medida Provisória, que virou o Artigo 229-C da Lei. Foi este artigo que estabeleceu que a concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos dependerá da prévia anuência da Agência de Vigilância Sanitária.

Juridicamente, o que dizem os especialistas consultados?

JR: Esse é um problema sério porque viola o TRIPS, mas como já foi aprovada como lei tem que ser cumprida. Segue que a única forma de eliminar a Anuência Prévia é que essa legislação seja alterada através de Projeto de Lei.

E o que existe neste sentido para alteração da Lei?

JR: No relatório do deputado Renato Molling sobre o Projeto de Lei do deputado Rafael Guerra há exatamente o pedido para que as anuências prévias se limitem aos produtos do pipeline. Isso porque quando a Lei foi feita, os artigos 230 e 231 determinavam para o Brasil o prazo de um ano para revalidar a patente daqueles remédios já inventados, mas ainda não lançados em nenhum lugar do mundo, o chamado pipeline. Na ocasião o governo pediu a ajuda da ANVISA para validar o pipeline. Até aí está tudo certo. Só que os dois artigos acabaram não sendo incluídos na Lei, o que fez com que a anuência prévia ficasse valendo para todos os produtos, pipeline ou não. Hoje há uma controvérsia muito grande entre ANVISA e o INPI. Um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) é totalmente contra essa situação.

Em que medida a anuência prévia atrapalha a Inovação?

JR: Perdem todos. A nação, principalmente, pelo atraso em ter esses produtos reconhecidos como inovadores no mercado, e, some-se a isso, o alto custo de afugentar o capital estrangeiro de pesquisa do Brasil. Ora, porque a indústria farmacêutica vai fazer investimento em pesquisa num país que para conceder a patente precisa de uma anuência prévia de um órgão governamental que não tem nada a ver com isso?

Que tipo de investimento o País está perdendo?

JR: Não há dúvida de que se investiria mais, especialmente na fase de pesquisa clínica que hoje quase não vem para o Brasil e poderia ser toda feita aqui. Estamos falando de pesquisa científica. Note-se que só nos Estados Unidos a indústria farmacêutica gasta US$ 65 bilhões por ano em pesquisa científica, sendo que, 60% desse montante, US$ 40 bilhões, referem-se à pesquisa clínica. Mas este investimento não vem por conta do risco, da insegurança jurídica de um país que adota uma medida como a anuência prévia que é discriminatória contra uma indústria inovadora.

Existe uma defesa de tese dentro do governo a favor da anuência prévia?

JR: Não acredito, embora muitos na ANVISA acreditem que, com a anuência prévia, estão exercendo seu papel de guardiões da Saúde, que estão protegendo o povo brasileiro de consumir um produto que não mereça ter uma patente. A ANVISA cuida de remédios, alimentos, cosméticos, suplementos alimentares e correlatos, produtos para a saúde, aparelho de Raios-X, enfim, tudo que entra na saúde tem que passar pela ANVISA. Além disso, faz controle de preço de remédio, de pesquisa clínica e de patente de remédio. É um negócio gigantesco: tem uma coordenação de Propriedade Intelectual com dezenas de funcionários. Quando falamos com o Ministro da Saúde, com o governo, todos acham que isso tudo é uma aberração, mas ninguém consegue mudar esta situação.

Como será o debate no Congresso sobre patentes de segundo uso, outro tema caro à indústria farmacêutica?

JR: Antes de tudo é preciso lembrar que o Segundo Uso não é um negócio da indústria farmacêutica, mas da aeronáutica, engenharia, de tantas outras indústrias inovadoras. Imagine-se um equipamento que funciona de um jeito e que, funcionando também de outro pode gerar mais rentabilidade. É o segundo uso do equipamento. Em remédio é segundo uso médico para um produto já existente.

Por exemplo.

JR: Por exemplo, o Sildenafil, um remédio projetado para controle da pressão não estava se mostrando tão eficaz na fase de testes. Só que aqueles que experimentavam o remédio melhoraram a qualidade da sua vida sexual. Os testes revelaram posteriormente que o medicamento corrigia disfunção erétil e, a partir daí, o fabricante interrompeu a pesquisa de uso cardiológico do medicamento. Esta é a história do aparecimento do Viagra, um caso clássico de segundo uso médico.

O INPI é contra o segundo uso?

JR: O INPI não se nega a dar segundo uso médico. Estamos demonstrando para o governo a pertinência do segundo uso para medicamentos. Eu mesmo já participei de quatro audiências públicas sobre o assunto. O que ocorreu foi o aparecimento de um Projeto de Lei de 2008 do deputado Fernando Coruja proibindo o segundo uso, com o argumento de que tal era um absurdo, uma forma de expandir o tempo da patente. A partir daí criou-se um impasse dentro do INPI que ficou no aguardo da Lei. Felizmente o relatório do deputado Luiz Henrique Mandetta demonstra, com rara clareza, porque um medicamento tem que ter segundo uso médico.

E qual o desfecho possível para este caso?

JR: Hoje a legislação existente permite o Segundo Uso. Chegou-se ao consenso de que o INPI vai continuar dando patentes de segundo uso. Alguns laboratórios nacionais, inclusive, já perceberam que há um mercado interessante neste segmento. Sim, porque ao invés de fazer aquela inovação radical lá no início, é muito mais negócio inovar de forma incremental em cima de uma molécula já descoberta. Investimento radical em pesquisa é muito caro. O segundo uso é a única forma que os nacionais têm de pesquisar sem gastar exageros.

A discussão sobre se há inovação no segundo uso não dá margem a interpretações subjetivas?

JR: A discussão subjetiva defende que, se já houve a descoberta, se já há a patente para aquele produto, o seu uso, seja qual for, deve estar em domínio público. Trata-se de argumento inconsistente. Ora, o fato de se descobrir que o remédio atua sobre a disfunção erétil não significa que tenha eficácia comprovada. Apenas descobriu-se que o medicamento tem outra indicação. Mas é preciso provar, comprovar sua eficácia através de vários estudos. O processo de patente, dos testes, até lançar o produto é praticamente o mesmo, só elimina a etapa da invenção.

Ou seja, há investimento.

JR: Investimento gigantesco, ressalte-se. Dos citados US$ 65 bilhões anuais investidos pela indústria americana 40% referem-se ao investimento na fase de invenção. O resto é gasto nas etapas de desenvolvimento. Para países em desenvolvimento como o Brasil o segundo uso é o melhor caminho, o melhor atalho para fazer pesquisa.

Texto: Rubeny Goulart
Imagem: Arquivo ABPI